Glauco Vieira Miranda¹ Gustavo Biasoli Alves² Leiliane Pereira de Rezende³
Entre os Países com as maiores populações que não apresentaram medidas restritivas iniciais, destacam-se Espanha, Bélgica e Itália atingindo entre 400-500 pessoas falecidas por milhão da população, ou seja, 1 em 2000 ou 2500. Com medidas restritivas tardias, a França apresenta 335 mortes/milhão e, portanto, salva 241 vidas por milhão ao comparar com a Bélgica (576 por milhão). Reino Unido, Países Baixos, Suíça e Suécia, todos com mais de 200-250 mortes/milhão, estão salvando 250-300 vidas/milhão de habitante porque tomaram medidas restritivas. Esses números destacam como a restrição ao contato com o vírus pode reduzir os números de mortes nos países quando as medidas restritivas foram implantadas precocemente e preventivamente. Os altos números de mortes mostra a necessidade de infraestrutura requerida e como o descontrole da contaminação pode gerar uma nova onda de disseminação se nada for feito.
Vale destacar a Alemanha e Portugal, que apresentam baixa taxa de mortalidade, respectivamente 67 e 84 mortes por milhão de habitantes e com isso salvam mais de 400 vidas/milhão se compararmos com a Bélgica que apresenta 576 mortes por milhão. Isso representa na Alemanha, com a população de 81,5 milhões de pessoas, o salvamento de 41.483 vidas e, em Portugal, com 10 milhões de habitantes, 5.090 vidas salvas. Com isso, evita-se o uso da infraestrutura hospitalar já sobrecarregada e demonstra-se como se vale utilizar o distanciamento social, isolamento e quarentena.
Nos EUA, o número de mortes atingiu 152 por milhão e o número total de 50 mil pessoas falecidas é maior do que todos os países europeus apesar do índice por milhão ser bem inferior. Em termos absolutos e considerando a mesma evolução de contágio, se o índice por milhão fosse 400, estão sendo salvas 82 mil vidas!!!
O isolamento social por si só não é suficiente para conter a Covid-19. Mesmo em países com recursos suficientes, os estudos de modelagem (1) e a experiência do surto de Wuhan (2) indicam que capacidades de cuidados intensivos (UTI) podem ser excedidas várias vezes se medidas de distanciamento não forem implementadas com rapidez ou força suficiente (3).
No Brasil, o número de mortes está em 16 por milhão. As medidas restritivas se mostram muito importantes para evitar atingir os valores de outros Países que apresentam infraestrutura hospitalar em maior número e melhor distribuída. O Brasil possui 67.633 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) sendo que 35.520 (52%) são disponíveis pelo SUS (Sistema ùnico de Saúde) segundo CNES, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, (4). Se fosse possível utilizar todos esses leitos de UTI do SUS, com 217 milhões de pessoas, não poderia haver mais de 164 pessoas por milhão em estado crítico o que representa 10 vezes o que está ocorrendo atualmente e se esses leitos fossem igualmente distribuídos nos Estados e Municípios. Haja vista, o colapso dos leitos disponíveis em Manaus e no Rio de Janeiro.
Todo esse esforço de salvar vidas tem um custo que está sendo pago agora para a tomada de medidas imediatas e com alta eficácia. No entanto, há a considerar o pós-crise atual da pandemia.
Assim, outro ponto importante é compreender o comportamento do vírus, sua capacidade de mutação, sua real letalidade e sua dispersão global. Os estudos nesta área ainda não são conclusivos, mas apontam para sua semelhança com outros vírus causadores de gripes. Kissler et al. (2020) apontam que é provável que a doença causada pelo vírus tenha comportamento sazonal sendo mais incisiva nos meses frios e mais calma nos quentes. Deste modo, é possível projetar que a mesma tenha um comportamento pendular entre os dois hemisférios do globo que coloca em evidência a necessidade do aprimoramento da capacidade de resposta dos sistemas de saúde em todo o planeta. Aqui entramos numa seara interessante de ser explorada. É preciso que se olhe para os investimentos feitos e para a capacitação que será feita (ou não) em diversos países do mundo com diferentes capacidade de investimento. Infelizmente isto vem encontrando o mesmo velho obstáculo do financiamento e das disputas de poder globais, como mostra a resistência americana em financiar a Organização Mundial de Saúde a despeito da posição adotada pelo grupo das vinte maiores economias do planeta (5).
O provocativo título de nosso artigo remete para um ponto importante: salvar vidas requererá um afrouxamento das regras fiscais internas e externas aos Estados Nacionais, assim como o alívio de parte das dívidas dos mais pobres, como já está sendo feito, ao menos por um período de tempo que não se calcula inferior a dois ou cinco anos. Que consequências isto teve no passado e o que podemos aprender com esta experiência?
Como proposta de saída para a crise se tem recorrido a uma metáfora do imediato pós Segunda Guerra Mundial: “Novo Plano Marshal” remetendo ao massivo investimento norte-americano na reconstrução da Europa Ocidental e do Japão. Acontece que naquela época havia potências econômicas claras, ou seja, havia regiões do globo pouco ou quase nada impactadas diretamente pelos conflitos, o que é ainda impreciso de determinar para a pandemia. O fato é que, sob a forma de empréstimos interestatais, o dinheiro norte-americano e posteriormente europeu irrigou fartamente as economias do mundo em desenvolvimento até as duas crises do petróleo na década de 1970 que causaram uma profunda crise econômica e o estrangulamento das economias do Terceiro Mundo por causa da cobrança das dívidas e de juros num processo que hoje financia todo o sistema financeiro internacional. Salvar vidas portanto requer que se discuta novamente o papel das dívidas dos Estados e dos déficits públicos.
Muito se tem argumentado também que as medidas de distanciamento social ampliado ou mesmo de quarentena (lockdown) tem causado prejuízos bilionários e são mais prejudiciais que a Covid-19 em si. Alguns estudos econômicos apontam exatamente o contrário. Em artigo que vem ganhando relevância, Correia et. al. (2020) apontam que as cidades norte-americanas que implementaram um isolamento social mais cedo e mais efetivo foram as primeiras a sair da crise e o fizeram de modo mais efetivo por causa da preservação da vida de trabalhadores mais qualificados e do tecido social como um todo.
Vidas humanas importam e o cerne de toda atividade econômica está no ser humano e não nos produtos, o que é profundo não apenas para a economia e para as Ciências Sociais, mas para uma concepção de vida e de mundo. São ainda preliminares os estudos e argumentações neste sentido, mas vale a pena explorá-los. O pensador francês Edgard Morin, em seu livro “A via”, aponta que vivemos há tempos crises variadas sob o ponto de vista ambiental e econômico que deveriam nos levar a repensar a globalização tendo em vista alguns aspectos negativos desta que estão levando a um meio e a um modo de vida com problemas (desrespeito ao meio ambiente, estresse e pensamento acelerado, por exemplo). Aponta ainda o autor que a educação se deteriora e que há uma infelicidade generalizada. Há, no entanto, aspectos positivos da globalização que o autor entende que está num fluxo mais livre de pessoas e de ideias. O autor indica que o caminho para a resolução dos problemas está na valorização das economias e das comunidades locais e na busca pela felicidade.
Observem que pessoas estão momentaneamente impedidas de circular, mas ideias não e, se as pessoas importam, é preciso que as ideias circulem o que terá impacto na economia. Em recente entrevista ao Universo On Line, Pietro Labriola, Diretor Executivo da TIM no Brasil argumentou que a tecnologia 5G terá papel fundamental na recuperação da economia após a crise da Covid-19 (7). O argumento é que compras on-line ficarão mais fáceis, a telemedicina mais acessível, as cidades mais inteligentes, etc. O teletrabalho também será facilitado e assim mais pessoas poderão utilizá-lo. A questão passa a ser o acesso disto aos mais pobres, o que é um gargalo em termos mundiais. Alguns estudos apontam também o surgimento de um novo tipo de consumidor e de mercado. A economia tenderá a ser baseada em serviços e marcas reconhecidas pelo valor simbólico que entregam aos consumidores. Palestrantes da Universidade Johns Hopkins fizeram falas interessantes e cabe a reflexão de Tiago Mattos sobre o que será o indivíduo nestes novos tempos: hiperconectados, multitarefas e com várias profissões ao mesmo tempo (8).
Vidas importam? Sim! Salvá-las é um imperioso ético, portanto!
Fonte dos Dados: worldometers(24/04/2020 às 12h30)
1- Li R, Rivers C, Tan Q, Murray M, Toner E, Lipsitch M. 2020 The demand for inpatient and ICU beds for COVID-19 in the US: lessons from Chinese cities. medRxiv
2- Ferguson NM et al. 2020 Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID- 19 mortality and healthcare demand.
3- Kissler, Stephen, Christine Tedijanto, Marc Lipsitch, and Yonatan Grad. Social distancing strategies for curbing the COVID-19 epidemic (March 2020).
4- Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Acesso em 15-4-2020 http://cnes.datasus.gov.br/
5- Agência Brasil. G20 fará “o que for preciso” para combater coronavírus. Acesso: 24 Abr 2020. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-04/g20-fara-o-que-preciso-para-combater-coronavirus
6- Correia, S.; Luck, S.; Verner, E; Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu Acesso no dia 24/04/2020 . https://www.joserobertoafonso.com.br/pandemics-depress-the-economy-correia-et-al/
7- TIM 5G será essencial para retomada pós-crise, diz diretor-presidente da TIM. Acesso 24 Abr 2020 https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/04/20/5g-fundamental-pos-crise-tim.htm
8- JOHNS HOPKINS Imagining a New Moral Economy. Part of our webast series, “SNF Agora Conversations: The Politics and Policy of COVID-19”. Acesso: 24 Abr 2020. https://snfagora.jhu.edu/event/imagining-a-new-moral-economy/
¹Dr. em Ciência Política-UFRGS (2004). Professor da Unioeste-campus de Toledo.
²Dr. em Genética e melhoramento (1999).Professor da UTFPR câmpus Santa Helena.
³Dra. em Ciência da Computação (2017). Professora da UTFPR câmpus Santa Helena.Fonte: Autoria dos Colaboradores: Gustavo Biasoli Alves, Glauco Vieira Miranda e Leiliane Pereira de Rezende

