O cérebro humano não consegue ignorar fake news

30 de novembro de 2020

Você é um gerente de banco e está analisando um pedido de crédito imobiliário de um cliente jovem, recém-formado e com um emprego estável em uma multinacional. O histórico de crédito desse cliente com o banco é muito bom, porém, na checagem final você verifica que ele tem uma fatura de cartão de crédito de R$ 5 mil que não foi paga.

Você aceita ou rejeita o pedido de crédito imobiliário?

Agora, imagine o seguinte cenário. Você está analisando um pedido de crédito imobiliário de um cliente jovem, recém-formado e com um emprego estável em uma multinacional. O histórico de crédito desse cliente com o banco é muito bom, porém, na checagem final você verifica que ele tem uma fatura de cartão de crédito que não foi paga. Mas um relatório informa que essa fatura é de R$ 5 mil, enquanto outro relatório informa que a fatura não paga é de R$ 25 mil. Você aceita ou rejeita o pedido de crédito imobiliário? Ou você espera até ter mais informações sobre qual relatório está correto?

O caso acima faz parte de um estudo voltado a demonstrar como decisões são impactadas por informações irrelevantes ou falsas.

Do ponto de vista lógico, as pessoas deveriam reagir aos dois cenários da mesma forma, uma vez que em ambos o cliente deve ao banco pelo menos R$ 5 mil. No entanto, os estudos revelam que no primeiro cenário 60% das pessoas rejeitam o crédito e apenas 40% aprovam. No segundo cenário, apenas 4% aprovam, 8% rejeitam e 90% esperam por mais informações.

E aqui vem a parte reveladora. Dos que esperam, quando lhes é informado que a dívida do cartão é realmente de R$ 5 mil, 80% aprovam o crédito imobiliário, o dobro dos que aprovaram no primeiro cenário, sem receber, mesmo que momentaneamente, a informação falsa!

Pense no que está ocorrendo. Nos dois cenários o cliente tem ao menos R$ 5 mil em dívidas não pagas com o banco. Mas quando é sugerida a possibilidade de que a dívida pode ser de R$ 25 mil — e isso se demonstra falso —, as pessoas ficam mais lenientes. Suas avaliações do impacto de uma dívida de R$ 5 mil na decisão de conceder ou não um crédito imobiliário foi significativamente alterada pela sugestão completamente falsa de que a dívida poderia ser de R$ 25 mil.

Esse é apenas um exemplo de como informações que sabemos ser incorretas impactam o processo de tomada de decisão. Por que permitimos que informações que sabemos ser falsas afetem nossas avaliações, opiniões e decisões?

O cérebro, sempre ele!
A resposta está no cérebro humano, que simplesmente não consegue ignorar informações uma vez que têm acesso a elas, sejam verdadeiras ou falsas. Esse fenômeno está também associado a outro fator comportamental bem documentado na literatura acadêmica, o efeito ancoragem, segundo o qual tendemos inconscientemente a ficar presos a referências, muitas delas falsas e aleatórias, quando precisamos fazer um julgamento ou avaliação.

Dessa forma, em um mundo em que informações falsas são constantemente divulgadas em mídias sociais, precisamos estar cientes dessa vulnerabilidade, mesmo quando sabemos comprovadamente que a informação não está correta e é destinada a distorcer nossa avaliação.

Gostamos de pensar que estamos acima disso tudo, que temos senso crítico e capacidade de discernimento. Mas estudos como o descrito acima revelam que a vulnerabilidade é bem maior e diferente da imagem que temos de nós mesmos.

Esse efeito é intensificado se a informação falsa apresentada nos toca do ponto de vista emocional. Emoções impactam o julgamento e somos mais propensos a aceitar como verdadeiras informações que estão em linha com um estado emocional desejado ou de acordo com nossas crenças, o chamado viés de confirmação.

O medo ressalta a sensibilidade a informações relativas a riscos, ao passo que a raiva nos deixa menos sensíveis as mesmas informações. Para deixar as coisas mais complexas, lembre-se que os algoritmos das principais mídias sociais foram desenhados para apresentar a você principalmente informações que causem emoções fortes. Tenha então consciência de que sua capacidade de julgamento será comprometida, sobretudo se estiver cansado ou sem motivação para refletir sobre o assunto com maior profundidade.


Fonte: Valor Investe
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