Enganoso: Homem foi preso por crime militar e não por criticar compra de ventiladores

24 de junho de 2020

São enganosas as postagens nas redes sociais que alegam que um cidadão do município de Cascavel foi preso por criticar o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), sobre a compra de respiradores artificiais para o tratamento de pacientes de covid-19. O conteúdo é acompanhado de um vídeo mostrando a entrega de um mandado de prisão preventiva, sem indicar os envolvidos ou a localidade. Na legenda, aparece uma inscrição irônica: “Governo democrático é outra coisa”.

As publicações enganam ao sugerir que o caso tem relação com a pandemia de covid-19 e que teria ocorrido com um civil, quando na verdade mostram o anúncio de prisão preventiva do policial militar Paulo José Monteiro da Cunha, conhecido como Cabo Monteiro. Ele responde a uma denúncia de crime militar na Justiça do Ceará, com base nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar (CPM) — que tipificam como crime o desrespeito a superior diante de outro militar e críticas públicas a atos de superiores ou a qualquer resolução do governo, respectivamente.

A gravação não foi feita em Cascavel – cidade cearense localizada na Região Metropolitana -, mas na capital, Fortaleza, onde mora o Cabo Monteiro, no dia 17 de junho. Não foi possível identificar a autoria ou a publicação original, mas fica claro que as imagens foram filmadas de dentro da residência. Além disso, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual do Ceará faz referência a sete vídeos gravados e publicados pelo Cabo Monteiro entre março e abril deste ano, e nenhum deles aborda compra de respiradores.

A decisão que decretou a prisão preventiva foi expedida em 12 de junho pelo juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, da comarca de Fortaleza da Auditoria Militar do Estado do Ceará. De acordo com o documento, existem “indícios de materialidade e provas da autoria de crimes militares” pelo Cabo Monteiro. Para a Justiça, a alegação de liberdade de expressão não caberia no caso porque “o representado transborda em sua conduta, indo além da garantia constitucional, para, sob seu manto, proferir ofensas e tecer comentários pejorativos, que se revelam, em análise superficial exigida no presente momento, perfeitamente adequadas a tipos penais”.

A medida cautelar é justificada, na decisão, pela postagem recorrente de críticas que constituiria “séria ameaça e grave comprometimento dos primados da hierarquia e disciplina militares”. O juiz decidiu que o cabo deveria ficar em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico e não poderia entrar em redes sociais e aplicativos de mensagem para postar conteúdos sobre temas e pessoas ligados ao meio militar e da área de segurança pública. Em caso de descumprimento, o PM poderá ser encaminhado para um estabelecimento carcerário.

Procurado pelo Comprova, o advogado de defesa do Cabo Monteiro, Carlos Bezerra Neto, afirmou que a prisão é “abusiva” e que já entrou com pedido de revogação na Justiça Militar. Para o advogado, não existem elementos suficientes que justifiquem a medida. Argumenta ainda que, mesmo se fosse condenado, dificilmente o PM seria preso, porque a soma das penas máximas equivalem a apenas dois anos de detenção.

Sobre o comentário nas redes sociais de que o vídeo mostraria um atentado à liberdade de expressão, Bezerra Neto afirma que a existência de outros dois casos recentes traz margem para esse tipo de interpretação. Ele fez referência à prisão do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Márcio Wescley Oliveira dos Santos e ao afastamento do delegado da Polícia Civil João Henrique da Silva Neto. “Não é que achamos que seja contrário ao Código Penal Militar, mas a circunstância nos faz (sic) crer que existe algo além, talvez por ser momento eleitoral, alguma intenção de movimentar os processos dessa forma”.

O promotor Sebastião Brasilino de Freitas, da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar do Ministério Público Estadual do Ceará, afirmou em entrevista ao Comprova que o pedido de prisão preventiva tem o intuito de “cessar o cometimento de crimes que ele (o policial) vinha fazendo”. O promotor diz ainda: “A gente prevenia e ele cometia. Tivemos que tomar uma medida severa” e acrescenta “ele (policial) como cidadão pode ter o direito, como militar não. Ele reiterava e, sendo avisado, continuava a fazer. Só teve um jeito que foi pedir a prisão e que se abstivesse de fazer movimentações nas redes sociais”.

A opção pela prisão domiciliar, explica o promotor, se deve à crise sanitária do novo coronavírus. Em casa, o soldado estaria mais resguardado de um possível contágio. No entanto, caso as medidas judiciais sejam descumpridas, o promotor explica que o MP pode acionar a Justiça e pedir o cumprimento da decisão no 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM), unidade localizada no Centro de Fortaleza que abriga PMs presos preventivamente ou condenados à reclusão.


Fonte: UOL Comprova
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