São enganosas as postagens nas redes sociais que alegam que um cidadão do município de Cascavel foi preso por criticar o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), sobre a compra de respiradores artificiais para o tratamento de pacientes de covid-19. O conteúdo é acompanhado de um vídeo mostrando a entrega de um mandado de prisão preventiva, sem indicar os envolvidos ou a localidade. Na legenda, aparece uma inscrição irônica: “Governo democrático é outra coisa”.
As publicações enganam ao sugerir que o caso tem relação com a pandemia de covid-19 e que teria ocorrido com um civil, quando na verdade mostram o anúncio de prisão preventiva do policial militar Paulo José Monteiro da Cunha, conhecido como Cabo Monteiro. Ele responde a uma denúncia de crime militar na Justiça do Ceará, com base nos artigos 160 e 166 do Código Penal Militar (CPM) — que tipificam como crime o desrespeito a superior diante de outro militar e críticas públicas a atos de superiores ou a qualquer resolução do governo, respectivamente.
A gravação não foi feita em Cascavel – cidade cearense localizada na Região Metropolitana -, mas na capital, Fortaleza, onde mora o Cabo Monteiro, no dia 17 de junho. Não foi possível identificar a autoria ou a publicação original, mas fica claro que as imagens foram filmadas de dentro da residência. Além disso, a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual do Ceará faz referência a sete vídeos gravados e publicados pelo Cabo Monteiro entre março e abril deste ano, e nenhum deles aborda compra de respiradores.
A decisão que decretou a prisão preventiva foi expedida em 12 de junho pelo juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho, da comarca de Fortaleza da Auditoria Militar do Estado do Ceará. De acordo com o documento, existem “indícios de materialidade e provas da autoria de crimes militares” pelo Cabo Monteiro. Para a Justiça, a alegação de liberdade de expressão não caberia no caso porque “o representado transborda em sua conduta, indo além da garantia constitucional, para, sob seu manto, proferir ofensas e tecer comentários pejorativos, que se revelam, em análise superficial exigida no presente momento, perfeitamente adequadas a tipos penais”.
A medida cautelar é justificada, na decisão, pela postagem recorrente de críticas que constituiria “séria ameaça e grave comprometimento dos primados da hierarquia e disciplina militares”. O juiz decidiu que o cabo deveria ficar em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico e não poderia entrar em redes sociais e aplicativos de mensagem para postar conteúdos sobre temas e pessoas ligados ao meio militar e da área de segurança pública. Em caso de descumprimento, o PM poderá ser encaminhado para um estabelecimento carcerário.
Procurado pelo Comprova, o advogado de defesa do Cabo Monteiro, Carlos Bezerra Neto, afirmou que a prisão é “abusiva” e que já entrou com pedido de revogação na Justiça Militar. Para o advogado, não existem elementos suficientes que justifiquem a medida. Argumenta ainda que, mesmo se fosse condenado, dificilmente o PM seria preso, porque a soma das penas máximas equivalem a apenas dois anos de detenção.
Sobre o comentário nas redes sociais de que o vídeo mostraria um atentado à liberdade de expressão, Bezerra Neto afirma que a existência de outros dois casos recentes traz margem para esse tipo de interpretação. Ele fez referência à prisão do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Márcio Wescley Oliveira dos Santos e ao afastamento do delegado da Polícia Civil João Henrique da Silva Neto. “Não é que achamos que seja contrário ao Código Penal Militar, mas a circunstância nos faz (sic) crer que existe algo além, talvez por ser momento eleitoral, alguma intenção de movimentar os processos dessa forma”.
O promotor Sebastião Brasilino de Freitas, da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar do Ministério Público Estadual do Ceará, afirmou em entrevista ao Comprova que o pedido de prisão preventiva tem o intuito de “cessar o cometimento de crimes que ele (o policial) vinha fazendo”. O promotor diz ainda: “A gente prevenia e ele cometia. Tivemos que tomar uma medida severa” e acrescenta “ele (policial) como cidadão pode ter o direito, como militar não. Ele reiterava e, sendo avisado, continuava a fazer. Só teve um jeito que foi pedir a prisão e que se abstivesse de fazer movimentações nas redes sociais”.
A opção pela prisão domiciliar, explica o promotor, se deve à crise sanitária do novo coronavírus. Em casa, o soldado estaria mais resguardado de um possível contágio. No entanto, caso as medidas judiciais sejam descumpridas, o promotor explica que o MP pode acionar a Justiça e pedir o cumprimento da decisão no 5º Batalhão da Polícia Militar do Estado do Ceará (BPM), unidade localizada no Centro de Fortaleza que abriga PMs presos preventivamente ou condenados à reclusão.
Fonte: UOL Comprova


