A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) lançou, na terça-feira (2), a campanha “Internet pra Geral”, cujo objetivo é discutir os efeitos da desigualdade no acesso à educação de qualidade, principalmente durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, em que as aulas escolares e universitárias são remotas. De acordo com João Carlos Salles, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal da Bahia, a pandemia expôs as condições desiguais em que os estudantes brasileiros se encontram. Para ele, no início da implementação das medidas de isolamento social, quando as aulas passaram a ser remotas, houve quem imaginasse que as tecnologias digitais poderiam dar continuidade integral, e com a mesma qualidade, às aulas presenciais. “Isso é evidentemente falso”.
Segundo uma pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 2018, 58% dos domicílios no Brasil não têm computadores e 33% não possuem internet. “A desigualdade é muito forte. Desigualdade de recursos, de condição para estudar, de tempo, dedicação. Tudo isso, é claro, afeta a educação”, afirma Salles. Para ele, dois elementos são fundamentais: acesso às condições materiais necessárias e capacitação dos professores para as aulas remotas. Ele também elenca que é necessário que a sociedade se mobilize. “Nós estamos mobilizando para defender uma educação de qualidade. Nós estamos nos mobilizando para que a educação superior possa, após a pandemia, ser protegida”, defendeu Salles em entrevista ao Brasil de Fato.
Brasil de Fato: Como o senhor enxerga que a pandemia expõe a desigualdade no acesso à educação de qualidade no País?
João Carlos Salles: A pandemia trouxe algumas informações importantes para nós, infelizmente, desagradáveis. A primeira delas é que há uma grande diferença regional, uma enorme desigualdade social, uma forte exclusão entre os estudantes. Primeiro, vamos só pegar por um aspecto muito simples: o do acesso às tecnologias digitais. A pandemia revelou um grande déficit da nossa população. É possível notar que no momento em que foi dado o auxílio emergencial, por exemplo, muitas pessoas não conseguiram acessar pela internet, não tinham sequer uma conta bancária, ou seja, estavam excluídas de uma certa vida social, possibilitada pela cidade e pelo Estado. Então, é importante notar isso. Isso se agravou muito. A pandemia trouxe esse sinal, a clareza de um grande déficit. Temos um grande déficit não só de tratamento de esgoto, de água e luz, mas também no acesso às tecnologias digitais. Isso ficou muito claro no país. Então isso é um dado importante.
A primeira constatação é que o Estado fracassou em incluir efetivamente, em grandes camadas da população, estudantes desde a educação básica até a educação superior, e em preparar as habitações, ou seja, as políticas públicas que deem a mínima tranquilidade para que as pessoas possam, em situação extrema como é a que estamos vivendo, continuar a sua formação, os seus estudos. Esse acesso à educação de qualidade envolve outros fatores para além da educação, como saneamento básico. Tudo isso, a desigualdade é muito forte. Desigualdade de recursos, de condições para estudar, de tempo, dedicação. Tudo isso, é claro, afeta a educação. Mas esse elemento foi muito destacado, porque alguns imaginaram que a tecnologia digital poderia salvar, digamos assim, a educação em um momento de pandemia. As pessoas poderiam continuar as suas atividades no momento de pandemia, o que é evidentemente falso. Para ser possível uma continuidade dessa forma, dois elementos são fundamentais. O primeiro é o acesso, que significa internet de qualidade e equipamentos minimamente razoáveis para que as pessoas possam acompanhar atividades de formação.
Outra questão eu diria que é uma grande aposta que o país deixa de fazer há muito tempo nos professores, na capacitação. Não basta ter o computador, ainda que seja fundamental. Não basta ter internet, ainda que seja fundamental. Sem esses dois elementos, não podemos seguir adiante. Mas além disso é preciso ter uma capacitação dos docentes para o uso adequado das tecnologias digitais.
Brasil de Fato: Agora em cima desse cenário, como o senhor avalia a posição do governo em mitigar esses efeitos dessas desigualdades na conjuntura? E como o senhor avalia a atuação do Ministério da Saúde, do governo, em um âmbito mais estrutural desses problemas?
João Carlos Salles: É fundamental que o governo reconheça, não apenas numa declaração formal, mas por meio de ações práticas, a situação de calamidade sanitária. Ao reconhecer isso, deve também enfatizar a prioridade que deve ser concedida a esse valor fundamental que é a vida. A vida não pode ser objeto de cálculo, é a condição para que nós façamos qualquer coisa. Só podemos considerar estranha a postura de um governo que tentou ao mesmo tempo simular normalidade. Só podemos estranhar uma política de governo quando declarações do Ministério da Educação e da Presidência da República que lançavam as pessoas a uma atividade de risco, só pode ser o sacrifício da vida das pessoas.
Fonte: Metalsaoleo


